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Uma morte, diferentes lutos

domingo, 4 de janeiro de 2015.

dor

“Se ela me deixou, a dor,
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor
A dor é minha,
A dor é de quem tem”
Composição: Marisa Monte/ Arnaldo Antunes

Todo ser humano está inserido, desde o nascimento, em uma rede de relacionamentos que muitas vezes é interrompida por um episódio de morte. Além de quebrar fortes vínculos de afeto, a morte deixa um saldo de muitas outras perdas na vida de quem fica.
Estudos comprovam que uma pessoa que morre deixa, no mínimo quatro pessoas em situação de luto. Embora sofrendo a perda da mesma pessoa, observamos que as reações de cada familiar são diferentes entre si. Este fato costuma gerar situações de muita angústia nas famílias.

Na maioria das culturas o choro é uma das formas mais comuns de expresão da dor e do sofrimento. Mas, e quem não chora? Significa que não está sofrendo?

O senso comum defende a idéia de que quem chora está sentindo a dor da perda com intensidade, logo parece que quem não age desta forma não está sentindo a tristeza. Esta afirmação, além de não ser verdadeira, gera muita culpa naqueles que não conseguem expôr seu pesar e sofrimento pela morte de uma pessoa querida de uma forma vísivel.

Os canais de expressào nem sempre são iguais entre os membros da família

Por razões particulares, ligadas muitas vezes à história de vida e a traços de personalidade, as pessoas tem jeitos diferentes de expôr seus sentimentos. Algumas pessoas demostram alegria, tristeza, preocupação de forma muito clara. Outras são discretas nessas manifestações mas mesmo assim conseguem dar vazão à elas. Há aquelas que tem verdadeira dificuldade em demonstrar o que realmente estão sentindo. Isto não quer dizer, absolutamente que não estejam sentindo.
A demonstração da dor não dimenciona necessariamente o tamanho dela. Mas é muito comum que no luto familiar, surjam comentários:
“será que ele(a) não está sentindo nada?”
“parece que nem sentiu a morte da mamãe porque nunca o vi chorando”
“não quis ir ao cemitério, não deve ter consideração por quem perdeu”
Para a vida psicológica e consequentemente para que o trabalho do luto aconteça é importante que cada pessoa encontre sua forma de dar vazão a dor da perda e que não será semelhante a do outro familiar. Se para alguns, ir ao cemitério é uma forma de encontrar algum alívio e viver a saudade de quem partiu, para outros, esta visita pode tornar-se altamente estressante, tensa e de pouco alívio. O núcleo familiar deve ter espaço para que cada membro demonstre sua dor do jeito que pode, do jeito que lhe pareça melhor.
O que faz as pessoas sentirem a perda de forma tào diferente?

A psicologia tem se ocupado do estudo das diferenças individuais em vários campos, incluindo o luto. Sabe-se que mesmo gêmeos identicos tem personalidades completamente diferentes, porque cada ser humano é único em seu jeito de ser, de pensar, de agir e de sentir.
Assim também há muitos fatores que determinam a forma como cada pessoa reagirá a perda de alguém amado, como a história de vida, a infância, outras perdas que já teve, sua capacidade de vincular-se, a relação que tinha com quem perdeu, a idade, o sexo, a cultura, dentre outras variáveis.
Sendo assim podemos dizer que uma mesma perda, produz diferentes processos de luto numa familia.
As diferenças de idade e de gênero
A forma como as crianças manifestam seu pesar é diferente da forma como um idoso o faz. A época da vida em que perdemos uma pessoa pode ser um fator importante na forma como vamos viver esta perda. Os adolescentes, por exemplo, vivem uma fase da vida em que a onipotência é uma característica marcante- “posso viver perigosamente porque nada vai acontecer comigo”- e o processo de luto deles pode ser altamente influenciado por esta onipotência, sendo comum que eles tenham atitudes de negação diante da dor da perda de alguém querido.
Em geral os homens e as mulheres têm formas diferentes de ser, especialmente porque nossa cultura impõe valores rígidos ao homem quanto a sua expressão afetiva. O famoso “homem não chora” é ouvido por eles desde a infância e pode colaborar para um processo doloros de contenção das emoções. Assim, as mulheres parecem ter mais “autorização social” para manifestarem suas emoções, ao passo que aos homem cabe o papel de restaurador da família, ele rapidamente tem que voltar para vida como se nada tivesse acontecido. Pela nossa experiência clínica com enlutados, percebemos que esses padrões pregados pela cultura podem ser fortes complicadores para aqueles que não se ajustam ao esperado.
Portanto é importante, em momentos de perda, que a família compreenda as diferentes manifestações do luto para que isto não produza mais sofrimento.
Somos únicos porque nossa história é unica e por isso temos um jeito único de dizer o que sentimos.
“ Cada um de nós compõe a sua história” – (Almir Sater)

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